olhos de peixe são teus dedos oh meu barco oh meu barco à busca de continentes ainda por descobrir se afundou o meu barco no mar do teu ventre oh meu barco oh meu barco olhos de peixe são teus dedos
In: Arlindo Barbeitos. Angola, Angolê, Angolema. Luanda, União dos Escritores Angolanos, 1976, p.53.
Arlindo do Carmo Pires Barbeitos, nasceu a 24 de Dezembro de 1940 em Catete, Icolo e Bengo, Província do Bengo. Passou a sua infância entre Catete e o Dondo, fez os seus estudos primários e secundários em Luanda. Aos 17 anos foi para Portugal, de onde saiu com 21 anos por motivos políticos, indo para França, Alemanha, onde fez estudos de Sociologia, Antropologia, além de Filosofia, Economia e Estatística na Universidade de Frankfurt. Nesse período também viajou por toda a Europa.
“E então, esse regresso – se é que é regresso – às culturas africanas, o desejo de as conhecer bem, de articular de uma maneira elaborada aquilo, que eram coisas que eu tinha visto na minha infância – coisas em que algumas pessoas da minha família mesmo haviam participado, e, parcialmente, até eu... -, isso me levou a uma outra coisa: foi, em certo momento, aceitar que uma pessoa é como é e não, por vergonha ou outra razão, o que poderia ou deveria ser.”. In: Michel Laban. Angola. Encontro com Escritores. Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1991, II vol. p. 529.
Em 1971 aderiu ao MPLA, regressando a Angola integrado nas suas fileiras, dando aulas na Frente Leste. Em 1972 vítima de doença vai tratar-se na Europa, onde volta a estudar, iniciando uma tese de doutoramento em Etnologia sobre “As realezas sagradas”. Em 1975 na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974, regressou a Angola. Foi professor no ISCED (Lubango), Adido-Cultural na República da Argélia.
Poeta, é considerado como integrante da geração dos anos 70. É membro fundador da UEA, com colaboração dispersa em vários jornais e revistas angolanas, portuguesas e outras.
Suas principais obras publicadas são: Angola, Angolê, Angolema (1976), Nzoji (1979), O Rio. Estórias de Regresso (1985), Fiapos de Sonho (1992).
oh veleiro encarnado
em lata de cacau
oh veleiro
singrando de velas enfunadas
por mares de prata
oceanos de saudade
não me leves
não me leves
oh negreiro de sonhos
para onde não quero
singrando de velas enfunadas
por mares de prata
oceanos de saudade
oh veleiro encarnado
em lata de cacau
embarcados
em nau de fumo
que a ilusão branca arrasta
navegam
pássaros roxos
por oceanos de embuste
In: Arlindo Barbeitos. Fiapos de Sonho. Lisboa, Veja, 1992, p.32-35.
Para Francisco Soares: “em Nzoji, de Arlindo Barbeitos, as fusões da instituição escrita com a tradicional atingem uma contenção, um rigor e um alcance invejáveis, levando a reencontrarmos os vasos comunicantes da poesia japonesa, das adivinhas e provérbios africanos e da lírica europeia de 60... Na lírica de Barbeitos a transculturação é completa, por isso mesmo, por tocar o corpo, a forma, e não só a alma, a «mensagem» do enunciado.”. In: Francisco Soares. Notícia da Literatura Angolana. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001, p. 233.
almas de feiticeiros desaparecidos
repousam de noite nas copas de árvores antigas
nuvens brancas
pássaros nocturnos
o hóspede de sandálias de pacaça
aproxima-se do fogo e adormece
almas de feiticeiros desaparecidos
repousam de noite nas copas de árvores antigas
In: Arlindo Barbeitos. Angola, Angolê, Angolema. Luanda, União dos Escritores Angolanos, 1976, p. 15.