Benguela
tinha tico-tico e colo-colo
nesse tempo
mesmo na Praia Morena
E o Mar
escondia
jamantas terríveis
E tinha
Carangueijos,
santolas,
que agente caçava com fisga.
Foi o filho do Rodrigues
despachante
que ensinou
Nada se perdeu;
o búzio ali está na mezinha de cabeceira
zunindo histórias,
fazendo lembrar
o menino que eu fui.
“Poema da Praia Morena”. In: Ernesto Lara Filho. O Canto do Matrindinde. Lobito, Editorial Capricórnio, 1974, p.57.
Ernesto Pires Barreto de Lara Filho, nasceu em Benguela, a 2 de Novembro de 1932 e faleceu a 7 de Fevereiro de 1977, no Huambo em consequência de um trágico acidente de automóvel. Fez os seus estudos primários e secundário em Benguela, seguindo para Portugal onde concluiu o curso de regente agrícola em 1952.
Andou pela Europa, viveu em tempo em Moçambique, regressando para Angola fixou-se em Luanda, onde exerceu várias profissões como a de jornalista. Foi locutor na Rádio Brazaville, operário especializado de 1ª classe nos Serviços de Agricultura e Florestas de Angola, foi preso por motivos políticos, pela polícia política portuguesa.
“Comecei a pintar. Isso torna-se agora uma obsessão para mim. Gastei para cima de 400$00 na Lello em tintas, papéis e pincéis. Comecei pelo carvão e tenho aqui duas coisas que não me envergonham... Depois te mostrarei. Acho que estou a pique de encontrar o «meu meio de expressão». Só agora verifico – tão tarde! – que não será a escrever que me tornarei alguma coisa. O que tenho a realizar – acho que é na pintura que o devo procurar.” Extracto de uma carta a Rebelo de Andrade, Lépi, 22 de Setembro de 1961.
Participou em diversas actividades literárias e culturais, dirigiu juntamente com Rebelo de Andrade a «Colecção Bailundo» onde se publicaram três livros de poesia. Foi cronista do Jornal de Angola, de «Artes e Letras» da Província de Angola, redactor do ABC. Colaborou em vários jornais e revistas, como Mensagem (CEI), Cultura (II), Diário de Luanda, O Comércio e Notícias.
Tenho trinta e sete anos
Já conheci a prisão
o exílio e o hospital...
Como atraso de vida
não está mal, nada mal...
“Humorismo”. In: Ernesto Lara Filho. O Canto do Martrindinde. Luanda, União/Endiama, 1989, p.86.
Figura em diversas antologias, nomeadamente, Antologia de Poesia Angolana (1957), Poetas Angolanos (1959), Poetas Angolanos (1962), O Corpo da Pátria – Antologia Poética da Guerra do Ultramar, 1961-1971 (1971), Presença de Idealeda (1973), Angolana 81974), Poesia Angolana de Revolta (1975), Antologia da Poesia Pré-Angolana (1976), No Reino de Caliban. Antologia Panorâmica da Poesia Africana de Expressão Portuguesa (1976), Poesia de Angola (1976). Foi co-fundador da UEA.
As suas obras publicadas são: Picada de Marimbondo (1961), O Canto do Martrindinde e Outros Poemas Feitos no Puto (1964), Seripipi na Gaiola (1970), O Canto do Martrindinde (1974, 1989), Crónicas da Roda Gigante (1990).
“’Escritor maldito’, mesmo na pós-independente sociedade do Huambo, pela sua boémia postura, Ernesto Lara Filho nunca abandonou o espírito inconformista e libertário em relação a normas e convenções – embora o tivesse tentado: esforçou-se por acabar o curso e até tirar um curso superior, para satisfazer as expectativas da família, como sua irmã Alda Lara. Na poesia de Lara Filho há o elogio da individualidade, a apologia humorística do inconformismo em relação ao intelectualismo, a apologia da diferença e o elogio da marginalidade, o escárnio face ao esgotamento de formas, ideias dominantes e normas sociais, a reacção contra o convencionalismo estético – uma atitude que é reflexo do seu posicionamento perante a vida e o mundo.” In: Inocência Mata. Literatura Angolana: Silêncios a Falas de Uma Voz Inquieta. Lisboa, Mar Além, 2001, p. 234.
O canto do Martrindinde
é um canto da cidade
vem pela noite dentro
cheio de ambiguidade
O canto do Matrindinde
é um cantar nacional
veio do mato à cidade
e tornou-se universal.
“O Canto do Martrindinde”. In: Ernesto Lara Filho. O Canto do Martrindinde. Luanda, União/Endiama, 1989, p. 64.